domingo, 31 de julho de 2011

Amputações

Lendo um artigo publicado pela escritora Martha Medeiros sobre a associação entre o filme 127 Horas e os desafios da vida amorosa, imediatamente me conectei com a sua idéia e relacionei com a minha vida. Talvez porque eu esteja justamente me adaptando às conseqüências das “amputações”, título do seu artigo.
Quem assistiu a esse filme, pode se envolver desde o momento da euforia, da paixão que o aventureiro tem em explorar cânions, até o seu desespero quando se vê obrigado, para sobreviver,  a amputar o seu braço, preso por uma enorme pedra depois de 127 horas. Situação extremamente traumática e comentada por alguns telespectadores mais frágeis para este tipo de cena, pois foi realmente forte de assistir.
As amputações... Quando me propus a relacionar o fim do meu casamento com essa situação, fui tomada por dois sentimentos: alívio e dor.
Alívio por me sentir autorizada a sofrer o trauma e as dores da amputação de me desapegar da história de trinta anos que estava impregnada em todos os órgãos do meu corpo. E dor, por compreender que realmente não é uma situação fácil de enfrentar, pois além do ato de tomar a decisão (amputar) é necessário lidar com o período, não menos difícil, de tocar a vida sem uma parte da gente.
Avançando um pouco mais nas situações do filme, posso comparar o início do meu sonho amoroso com a paixão que o aventureiro tinha por explorar os cânions. Um prazer capaz de levar a momentos de grande felicidade e realizações. Mas lá pelas tantas, por razões que eu não sei precisar, começamos a ser imprudentes, e ignoramos os sinais de perigo.
Os cânions perigosos, as brigas desrespeitosas, as fendas estreitas, os olhares de desprezo, as condições climáticas desfavoráveis, não querer mais investir na relação.
E aí ficamos presos! E foram milhares de sufocantes e desesperadoras horas em que lutamos insanamente para tentar remover a grande pedra que estava destruindo aos poucos a nossa vida. Num primeiro momento, ao percebermos o problema achamos que era fácil remover o obstáculo, mas aos poucos fomos percebendo que sozinhos não conseguiríamos. Foram momentos de angústia, desespero, alucinações e uma sensação de que a morte se aproximava.
Então, entre momentos de consciência e loucura, percebemos que era inevitável a amputação.
Assim, após esse ato desesperado de sobrevivência saímos do domínio da rocha que nos aprisionava e corremos. Uma corrida desesperada em busca de socorro, de alguém que pudesse nos socorrer e nos levar para bem longe daquele lugar. Precisávamos de remédio.
Agora, quase um ano depois, eu, ex mulher, ex esposa, ex companheira, ex amiga, ex amante, estou aprendendo a viver uma vida diferente. Uma vida em que o desafio maior é estar atenta para não deixar de apreciar a beleza e o encanto do amor, do companheirismo, da cumplicidade, dos abraços, dos desacertos (já que não existem relacionamentos perfeitos), mas acima de tudo, com todo o cuidado de quem está em recuperação, cuidar com os cânions, que apesar de deslumbrantes obras da natureza, se eu não for prudente e cuidadosa, posso ter meu coração aprisionado novamente.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Museu dos relacionamentos desfeitos

É irônico que quando passamos por algumas situações, uma coisa vai puxando a outra, como que se houvesse uma força invisível que atraísse para nós fatos que se assemelham ao que estamos passando no momento.
E há essa força invisível. As teorias da física quântica, por exemplo,  estão aí para mostrar que a força do nosso pensamento é poderosa o suficiente para atrair forças de igual sintonia.
Eu diria que não é só isso. Em alguns momentos estamos mais perceptivos e notamos algumas coisas, que antes nos passavam desapercebidas. É uma questão de foco.
Pois que, depois do sofrimento do desapego, no fim de semana, um jornal em um dos seus cadernos, publica uma matéria sobre “inventário do amor que acabou: museu dos relacionamentos desfeitos chama a atenção para a preservação das recordações afetivas”. Esse título torna claro do que se trata a matéria. E eu, com tudo amontoado na sala de estar, de um apartamento microscópico, não poderia deixar, depois de ler a matéria, parar na parte da sala que é possível transitar, ficar olhando demoradamente para os objetos acomodados uns por cima dos outros,  e pensar em qual objeto eu colocaria no museu.
A proposta do museu dos amores desfeitos, além de mostrar a fragilidade dos laços humanos, é contextualizar a época em que tais histórias aconteceram.
Precisei pensar muito em qual objeto eu escolheria para colocar no museu. Não queria que fosse um objeto ou presente que me deixou feliz ao recebê-lo. Teria que ser algo significativo e que tivesse a ver com o processo de desamor, que fez com que nosso casamento acabasse.
É claro que encontrei o objeto. Foi o último presente de aniversário que ganhei do ex. A começar pela forma como foi escolhido, foi revelador como já estava sendo um peso escolher algo para mim. Ele pediu que eu fosse junto, me levou no centro da cidade, na joalheria de um conhecido maçom e escolheu uma medalha com o símbolo da maçonaria: Você gostou?

Se eu gostei? Sinceramente isso não importava mais, pois se eu dissesse que não, isso provocaria um mal estar que não valia à pena provocar. Sim, estava bom, desde que não brigássemos, foi o que pensei naquele momento. O que me marcou nessa situação não foi o que ele tenha pensado ao escolher esse presente, mas como eu me senti: não importava mais. Isso me sinalizava que o fim estava próximo.

E queiramos ou não, os objetos estão impregnados do sentido que damos para eles. O que importa na verdade são os nossos sentimentos, a forma como lidamos com as nossas emoções, o quanto vamos deixando para trás os nossos sonhos, o nosso amor próprio. E se não nos amamos, ou pelo menos nos respeitamos a ponto de não nos colocarmos em situações que nos farão mal, não temos como cultivar uma relação amorosa saudável.

Se vamos morar junto, separados, teremos a mesma profissão, profissões diferentes, salários iguais ou diferentes, teremos a mesma faixa etária,  a mesma religião, ou teremos crenças políticas opostas... Isso realmente não importa, quando entendemos que a essência do ser humano não está somente no que ele mostra, mas no que ele mostra e acredita, e essa diferença é sutil, mas perceptível aos olhos do coração.

Que a águia tenha coragem de sair da caverna da transformação para reconstruir o seu novo lar, mas que ela não despreze o seu passado nem se esqueça das dores da transformação. Que essas dores não a paralisem, mas a tornem forte para voar, se aventurar por novas paisagens e acompanhar seus filhotes à distância.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Desapego 2

Deixei para última hora a arrumação, pois imaginava que se tivesse que fazer tudo rapidamente não teria muito tempo para pensar... Que ingenuidade!
Resolvi começar pelas roupas dele que ainda estavam no armário...
Foi um sofrimento indescritível! Foi como se eu tivesse tirando do armário as roupas de alguém que havia morrido. O meu sofrimento foi tanto que o meu corpo doía, eu podia sentir os meus órgãos doendo.
E realmente ele morreu... O meu amor por ele morreu. Cada peça de roupa, cada objeto, os fardamentos, os sonhos, foram sendo arrancados um a um de dentro do armário, e de dentro do meu ser.
Depois de tirar todos os seus objetos, a praga do armário é enorme, comecei a retirar os meus, que também estavam imantados da minha energia, dos meus sonhos, desejos, de objetos de uma vida em comum que durou nada menos que trinta e um anos, o guardanapo do dia do casamento, os bilhetes apaixonados, as fotos...
O fim se concretizando num outro estágio da separação.
Confesso que não tinha me dado conta de que essa situação me abalaria tanto. E doeu, doeu muito, uma dor física, quase insuportável.
E nesse processo, de retirar, acomodar os objetos do passado, fiquei indignada, pois mesmo no fim, eu estava arrumando e organizando as coisas para ele. Eu estava entre lágrimas e soluços, retirando e acomodando as coisas para que ele só tivesse o trabalho de levar.
Nesse processo houve um fato, que se não fosse trágico seria cômico. Havia uma espada, pois além da espada militar o dito é maçom e tem esses objetos do ritual e um deles é a tal espada. Algo pesado, que fazia parte do ritual num determinado nível, que ele já avançou.
Freud certamente, se vivo estivesse, e eu tivesse a oportunidade de deitar no seu divã, concordaria comigo que espadas e armas, que o ex sempre gostou, têm algo relacionado à fragilidade da sexualidade masculina. Seria isso?
Queria muito rir com esse gênio da psicanálise, já que em outros tempos e situações eu o achava viril e ao mesmo tempo assustador... Hoje? Bem, hoje há o vazio...
Pois que a tal espada, estava entre o fundo do armário e uma prateleira, e estava numa posição que se assemelhava à espada do Rei Arthur, tanto que eu tive que entrar no armário para “arrancá-la”.
Qual o poder que ela me trouxe? A liberdade para viver uma nova história.
Depois que o armário foi esvaziado totalmente, entrei no quarto e olhei ao redor... Não havia vida, nem energia, só o vazio que uma separação deixa. Frio, morte, medo...
Fisicamente eu estava acabada. Meus filhos ao final do dia, quando chegaram em casa depois do trabalho (ainda bem que eu estou em férias) ficaram preocupados com o que viram, pois me perguntaram o que havia acontecido.
O que eu gostaria de ter dito é que neste dia eu enterrei uma parte de mim, que eu estava de luto. Que neste dia, ao longo das doze horas em que estive envolvida com esse ritual, eu me confrontei com o fim, com a morte de uma história de amor que eu acalentei por tantos anos.
Mas me resignei em dizer: tive um dia difícil.

Desapego

Definitivamente a separação tem alguns passos que passamos querendo ou não. Guardando as peculiaridades de cada caso, acredito que são parecidas independente dos casais que se separam.
Penso que os casais que abrem mão do casamento, quando há uma terceira pessoa envolvida, a dor não deve ser tão grande, pois necessariamente o vazio não se concretiza. Mesmo quando chegamos ao ponto de entender e aceitar que não está mais dando certo e que, tem grande chance de não dar certo nunca mais, e por isso damos o primeiro passo à frente, como que prontas para um fuzilamento, lá pelas tantas temos que olhar no fundo dos olhos da dor.
Poderia dar um nome para essa dor: desapego.
E essa senhora é tão ardilosa, que deixa que a gente pense que já está tudo desapegado. Doce e ilusório engano.
Fiquei frente a frente com a “Sister Desapego”, quando eu nem imaginava que ela estava a me rondar e dando risadas da minha ingenuidade.
Um ano antes da minha separação, estávamos fazendo planos para reformar o quarto que estava com mofos nas paredes (ironicamente como o nosso casamento) e o armário que nos acompanhou durante quinze anos, não resistiria a ser desmontado e montado novamente, depois de várias mudanças.
Ah, o armário... Peça física, com gavetas, prateleiras, cabideiros, calceiros, sapateiros e impregnado da minha história de amor, esperança e sofrimento.
Quando o senhor meu ex-marido saiu de casa, é evidente que como todo o macho, deixou para trás além das marcas de tristeza no meu coração, muitos objetos e roupas, no dito armário, afinal precisava mostrar que o território ainda era dele.
E eu, fugindo do sofrimento que iria enfrentar depois, não me indignei com essa atitude, afinal quando fiz um pequeno ensaio de revolta e pedi para que ele levasse tudo que era seu do apartamento, ele, aos berros, disse que eu devia entender que ele estava se organizando, pois estava saindo da casa para que eu ficasse.
Que pessoa terrível seria eu se não entendesse... E por isso, entendi.
Mas eis que por razão da minha rinite, precisei tocar adiante o projeto do “tira os mofos”, e obviamente, tinha que encaminhar o dito armário, para o seu fim.
Sou uma esotéria-espírita, uma definição que não existe, mas que para mim quer dizer uma pessoa que acredita na força da energia que irradiamos e na sobrevivência do espírito após a morte do corpo, com todos os detalhamentos que isso significa. Com isso, acredito que os objetos ficam imantados com a nossa energia, seja ela boa ou ruim. E não poderia ser diferente em relação ao armário em questão.
Esse objeto foi comprado a partir de um sonho que tivemos de mudar o nosso quarto. Levamos dois dias montando peça por peça, desde a colocação das dobradiças até a colocação dos puxadores, e desde então vinha nos acompanhando por mais de quinze anos. Ele tinha vida, estava impregnado da nossa energia.
Quando que eu descobri os meus sentimentos em relação a ele (armário)? Na sessão de terapia dessa semana, em que eu me dei conta, junto com a minha terapeuta, que eu não estava conseguindo esvaziar o armário, pois isso significava mais um passo da concretização da morte do meu casamento.
A sessão de terapia terminou com o seguinte comentário da minha terapeuta: vai ser muito difícil esse momento.
E foi...

sábado, 16 de julho de 2011

Estar só

Um dia desses, depois de um dia de trabalho em que vários problemas resolvem acontecer ao mesmo tempo, fui correndo para casa como se eu quisesse me esconder.
Na minha profissão, problemas nas relações interpessoais são as minhas ferramentas de trabalho, por isso é necessário desenvolver algumas habilidades que vão desde o equilíbrio no momento da escuta, a perspicácia para se dar conta das sutilezas das histórias apresentadas, até (essa eu considero mais difícil) um grande amor pelo ser humano a ponto de ajudá-lo a se dar conta de algumas dificuldades nas relações com o outro. Não é que amar o outro fraternalmente seja algo difícil, mas o desafiador é a linha tênue entre o afeto e a razão. E esse sentimento pode ser o carinho ou a raiva, quando, por exemplo, alguém ameaça te processar por você dar o limite numa situação de desrespeito às normas de convivência.
Nesse dia eu estava especialmente fragilizada, já que precisei reunir forças para dar conta de várias situações difíceis.
Quando cheguei em casa vivi um momento especialmente mais difícil. Meus filhos não estavam (foi até melhor) sentei-me na beira a minha cama e ali fiquei, vestida e de crachá dependurado no pescoço, por um tempo que não sei precisar exatamente quanto foi. Lembro do meu cachorro, um pequeno yorkshire, pulando nervosamente na minha frente, tentando me dizer: não fica assim... Reaja!
Mas foi difícil... Tomada por uma solidão dolorosa, sentindo um vazio de amor no meu coração, querendo o calor de um abraço, alguém que além de escutar, pudesse entender o quando foi difícil aquele dia, e pudesse me dizer o quando me admira por eu ser corajosa e competente em administrar essas situações. Percebi que tenho medo de não conseguir me apaixonar novamente e comecei a pensar, e não poderia ser diferente, se terminar um casamento de tanto tempo foi a melhor decisão.
Lembrei do dia do casamento, de tantos episódios que vivemos como família e... do quanto eu também estava só... Do vazio interior que aquela relação me causava e do quanto eu sofri para manter o meu casamento. Fiquei aliviada por um lado, mas continuei triste por outro.
Percebi que estou ferida e que a minha ferida ainda não está cicatrizada, mas mesmo ferida quero amar. Antes eu achava que era preciso esperar um tempo, mas hoje percebo que o tempo é um tempo maior, que não pode ser mensurado em muito ou pouco, pois não sei o quanto ele dura, não pode ser medido em minutos, horas, dias ou meses, pois esse tempo vai durar até que, por alguma força que rege o universo, duas almas se cruzarem, se encontrarem, se olharem, se escutarem, se beijarem, se abraçarem e descobrirem que se amam...
Esse tempo a gente não controla, pode ser hoje ou daqui a dez anos...
E quero acima de tudo, que o meu coração esteja aberto, harmonizado e amadurecido para perceber quando chegar a hora, e que eu não perca a capacidade de sorrir, de me divertir, de ser bem humorada e de bem com a vida, enquanto a hora não chega.
Que a águia não esqueça que voar está na sua natureza, o tempo de estar reclusa na caverna já passou...